terça-feira, 18 de novembro de 2008

Resposta

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

('Porque' - Sophia de Mello Breyner)

domingo, 26 de outubro de 2008

O futuro é uma astronave

Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo
Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva
E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva

Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel
num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu
Vai voando, contornando a imensa curva Norte e Sul

Vou com ela viajando Havaí,
Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela branco navegando,
é tanto céu e mar num beijo azul

Entre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo, com suas luzes a piscar
Basta imaginar e ele está partindo, sereno e lindo
e se a gente quiser ele vai pousar

Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida
com alguns bons amigos bebendo de bem com a vida
De uma América a outra consigo passar num segundo
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo

Um menino caminha e caminhando chega no muro
e ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar

Não tem tempo nem piedade nem tem hora de chegar
Sem pedir licença muda nossa vida,
depois convida a rir ou chorar

Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar
Vamos todos numa linda passarela
de uma aquarela que um dia enfim
Descolorirá

Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo
(que descolorirá)
e com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo
(que descolorirá)
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo
(e descolorirá)

'Aquarela' - Vinicius de Moraes

sábado, 18 de outubro de 2008

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Presente

Tenho um urso de peluche castanho que vive no meu quarto e, às vezes, acompanha-me noutras andanças, espremido entre a bagagem necessária para voos longe de casa. Já não tenho idade para brincar com bonecos nem ele serve para brincadeiras. É tão somente o companheiro silencioso quando o barulho à volta me impede de pensar. Um monte de pêlos e ácaros que não reclama quando fica ensopado de lágrimas ou é atirado ao ar... porque vê-lo rodopiar aumenta a sensação dos dias felizes. É a cara conhecida nas noites solitárias de um quarto de hotel. O adorno que destoa da fachada. O segredo que é só meu. Quem me espera quando não há mais nada a esperar. Não há qualquer história fabulosa que explique a sua existência – a não ser o facto de ter chamado a atenção quando estava na prateleira de uma loja numa cidade distante - mas se ele tivesse o dom da palavra poderia contar quase todas as histórias da minha. Não falo com ele e a sua grande vantagem, desconfio, é nunca me perguntar nada. Certamente não compreende as curvas da vida mas, entre os de ‘carne e osso’, também são poucos os que julgam entendê-las. Hoje escrevo sobre ele porque descobri que, como diz a canção, não sou a única. Há por aí um grande urso branco intrometido em canções. O meu também sobreviveu às mudanças. De morada e de espírito. Vive conformado no seu fato fofo e rechonchudo, de onde despontam duas orelhas arredondadas. Sorte a dele. Eu sou inconformada por natureza e isso, às vezes, dói. Não sei porque me afeiçoei a ele, mas talvez seja porque está ali, presente. E só por isso ganhou direito a um nome: chama-se Rupert...

terça-feira, 30 de setembro de 2008

The End

I.
Acabou finalmente. Estou aliviada, é certo, mas não suficientemente alegre para celebrar... é como olhar para um cenário de guerra e, no balanço entre o que aprendemos e o(s) que perdemos, perceber que o saldo é tragicamente negativo.

II. Ainda assim...
Descobri o significado (e sobretudo a possível utilidade) do destino. Não sabemos bem porquê nem como, mas acaba por decidir por nós...

Left or Right?

O pior de estar numa encruzilhada entre dois 'caminhos da felicidade' é não conseguir escolher por não saber qual deles é o mais traiçoeiro.

domingo, 28 de setembro de 2008

Look Around



O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

'O Meu Olhar' -Alberto Caeiro

domingo, 21 de setembro de 2008

Amigos e outros

O meu amigo M. até é um rapaz pacato mas, de quando em vez, a veia contestatária vem-lhe ao de cima e sai-se com umas tiradas cheias de sabedoria, como esta: 'Para foder a minha vida basto eu... não preciso da ajuda dos outros'.

sábado, 13 de setembro de 2008

Good night Berlin



Cada vez que yo me voy llevo a un lado de mi piel
Tus fotografias
para verlas cada vez
que tu ausencia me devora entero el corazon
y yo no tengo remedio mas que amarte
Y en la distancia
te puedo ver
Cuando tus fotos
me siento a ver

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

We're all made of stars

Há ídolos e mentes que brilham. Quem tenha o dom da palavra e quem encontre sempre a palavra certa. Há os que cortam metas e os que inventam o futuro. Os que desbravam o Mundo e os que ficam para contar a história. Há quem construa caminhos e quem caminhe sem rede. Uns são heróis e outros, mesmo que improváveis, fazem-se. Há gente que inspira e gente que vive da inspiração. Há homens que ainda lutam por causas e outros que fazem a paz. Os que salvam vidas e os que morrem para salvar alguém. E se uns amam, outros procuram constantemente o amor. E há as ruas de todos dias, cheias de sobreviventes...